Revolução e evolução em
vida e cultura:
fragmentos teóricos para
um designer cultural...
No início era, como sabemos, o verbo. O verbo
estava com Deus. Durante sete dias e sete noites ele tentou introduzir
diferenciações binárias, ou seja, bits: dia e noite, céu e Terra, Sol e
Lua, sem falar do bem e do mal. (KITTLER, 2017, p. 305).
O mundo não passa de uma gangorra perene, onde
todas as coisas se alternam sem cessar. (MONTAIGNE, 1999, p. 804).
Um alerta:
"revolução" não significa o fim, nem "evolução", algum tipo
progresso. O primeiro texto acima é
uma paráfrase bem humorada da gênese criacionista. Richard Dawkins, zoólogo e
darwinista, no seu clássico "O gene egoísta", aponta que a seleção
natural pôs fim às grandes questões da humanidade sobre a origem da vida. Para
este autor, "Nós somos máquinas de sobrevivência - robôs cegamente
programados para preservar moléculas egoístas conhecidas como 'genes'"
(2007, p. 31). Entretanto, vivemos o último paradoxo da evolução: a
seleção natural não é mais um atributo incontrolável que limita a existência
humana - a revolução tecnológica tornou o Homo Sapiens num "quase
deus": só que, agora, corremos o risco, cada vez mais próximo, de perdermos
o sonhado "sentido da vida". Agora estaríamos perto de
experimentar o fim do Homo Sapiens - a revolução da inteligência
artificial, a genética: "[.....] o Homo Sapiens está transcendendo
esses limites. Está começando a violar as leis da seleção natural,
substituindo-as pelas leis do design inteligente." (2016, p. 408). O
sistema desenvolvido no Reino Unido parece aproximar o conceito de cultura com
o conceito de "seleção natural". "Você estará aqui no
futuro?", pergunta Rebecca Walton, em palestra proferida
no Curso de Gestão e Políticas Culturais do Itaú Cultural (2017). Segundo ela,
a visão britânica de mundo é pragmática, enxergando a realidade por meio de estatísticas.
Neste sentido, e firmando plano estratégico em outubro de 2013, com validade de
dez anos, o "Great art and culture for everyone", cultura é
algo que deve, antes e acima de tudo: ser excelente e sustentável. Por este
motivo, atribui conceitos mínimos de identificação do que é arte e cultura,
para, por meio destes, possibilitar um fomento empiricamente sustentável. Ela
apresenta uma paisagem estatística, não apenas de um financiamento planejado,
mas de como os critérios para arte e cultura são importantes para seu
fomento de forma inteligente. Aqui no Brasil deveríamos aprender esta lição:
“Em nenhum país desenvolvido, a análise do desempenho da gestão cultural
pública prescinde da “construção de paisagens” feita com rigor estatístico.”.
(DURAND, 2013, p. 28). Teixeira Coelho, sugeriu, em palestra proferida no mesmo
dia e local, que o contributo de Rebeca Walton pode ser caracterizado como um
tipo positivo de: "darwinismo cultural". Antes que se milite
contra esta afirmativa é bom que se pontue: o que se depreende do modelo
britânico é uma forma, em fragmentos muito sólidos, de um design cultural:
que espelha e inspira ações que se sustentem no tempo - desenvolvendo
potencialidades e autonomias: “Nossa visão de longo prazo é que as
organizações artísticas e culturais assumam a responsabilidade pelo
desenvolvimento das habilidades de sua força de trabalho.” (2017, online, p.
31. Tradução livre da autora). Ou seja, cultura é aquilo que se planeja com
acuidade, excelência e perenidade, gerando autonomia entre o sistema cultural e
político, bem como entre seus atores. Ou, em certeira afirmação: "Cultura
faz-se mais com planejamento do que com dinheiro."(COELHO, 2017). Se o
último deus não é mais o Homo Sapiens, mas a sua capacidade de gerir
modelos - designers - de ação, é chegado o tempo da substituição dos planos de
cultura imediatistas, sazonais - que brincam com recursos públicos, pela
paisagem sustentável de um novo designer cultural. À similitude dos
organismo vivos, precisamos manter nossos pensamentos em equilíbrio homeostático
com outros sistemas. Mia Couto, ao defender uma nova postura sobre o pensamento
e seus limites, compara estes com o sistema biológico - só que com uma
diferença, enquanto os sistemas biológicos possuem fronteiras vivas - permeáveis
ou semipermeáveis - nós tendemos a construir sistemas de pensamento rígidos,
cegos - tendentes à morte: “Todas as membranas orgânicas são entidades vivas
e permeáveis. São fronteiras feitas para, ao mesmo tempo, delimitar e
negociar. O “dentro” e o “fora” trocam-se por turnos. [….] O problema é que
o nosso pensamento, ao contrário do restante das entidades vivas, facilmente se
encerra em si mesmo. Não sabemos fazer paredes vivas e permeáveis. Erguemos
paredes inteiras como se fossemos tucanos cegos. De um e do outro lado há
sempre algo que morre, truncado do seu lado gêmeo.”. (COUTO, 2013, p.196, 197).
É este o requisito indispensável em UK - o que denominam como resiliência
cultural: "Por resiliência, queremos dizer a visão e a capacidade
das organizações para antecipar e se adaptar às mudanças econômicas, ambientais
e sociais, aproveitando as oportunidades, identificando e mitigando os
riscos, e implementando recursos efetivamente para continuar a oferecer um
trabalho de qualidade de acordo com sua missão.".(2017, online, p.
32. Tradução livre da autora). O sistema cultural em design é a última
membrana que precisa ser construída para uma paisagem cultural que resista aos
tempos.