quarta-feira, 28 de abril de 2010

Recomendações..meu querido "Pequeno Tratado das Grandes Virtudes "...Se não os inspirar decerto morrestes - perambulas ainda e apenas com tuas pernas.

"Se a virtude pode ser ensinada, como creio, é mais pelo exemplo do que pelos livros. Então, para que um tratado das virtudes? Para isto, talvez: tentar
compreender o que deveríamos fazer, ou ser, ou viver, e medir com isso, pelo
menos intelectualmente, o caminho que daí nos separa. Tarefa modesta, tarefa
insuficiente, mas necessária. Os filósofos são alunos (só os sábios são mestres), e
alunos precisam de livros; é por isso que eles às vezes escrevem livros, quando os
que têm à mão não os satisfazem ou sufocam.


Ora, que livro é mais urgente, para
cada um de nós, do que um tratado de moral? E o que é mais digno de interesse,
na moral, do que as virtudes? Assim como Spinoza, não creio haver utilidade em
denunciar os vícios, o mal, o pecado. Para que sempre acusar, sempre denunciar?
É a moral dos tristes, e uma triste moral. Quanto ao bem, ele só existe na
pluralidade irredutível das boas ações, que excedem todos os livros, e das boas
disposições, também elas plurais, mas sem dúvida menos numerosas, que a
tradição designa pelo nome de virtudes, isto é (este é o sentido em grego da
palavra arete, que os latinos traduziram por virtus), de excelências.

O que é uma virtude? É uma força que age, ou que pode agir. Assim a virtude de
uma planta e de um remédio, que é tratar, de uma faca, que é cortar, ou de um
homem, que é querer e agir humanamente. Esses exemplos, que vêm dos gregos,
dizem suficientemente o essencial: virtude é poder, mas poder específico.
A virtude do heléboro não é a da cicuta, a virtude da faca não é a da enxada, a
virtude do homem não é a do tigre ou da cobra. A virtude de um ser é o que
constitui seu valor, em outras palavras, sua excelência própria: a boa faca é a que
corta bem, o bom remédio é o que cura bem, o bom veneno é o que mata bem...

[....]
Se todo ser possui seu poder específico, em que excele ou pode exceler (assim, uma faca excelente, um remédio excelente...), perguntemo-nos qual é a excelência própria do homem. Aristóteles respondia que é o que o distingue dos animais, ou seja, a vida racional. Mas a
razão não basta: também é necessário o desejo, a educação, o hábito, a memória...
O desejo de um homem não é o de um cavalo, nem os desejos de um homem
educado são os de um selvagem ou de um ignorante. Toda virtude é, pois, histórica, como toda a humanidade, e ambas, no homem virtuoso, sempre coincidem: a virtude de um homem é o que o faz humano, ou antes, é o poder específico que tem o homem de afirmar sua excelência própria, isto é, sua humanidade (no sentido normativo da palavra). Humano, nunca humano
demais... A virtude é uma maneira de ser, explicava Aristóteles, mas adquirida e duradoura, é o que somos (logo o que podemos fazer), porque assim nos tornamos. Mas como, sem os outros homens? A virtude ocorre, assim, no cruzamento da hominização (como fato biológico) e da humanização (como
exigência cultural); é nossa maneira de ser e de agir humanamente, isto é (já que a
humanidade, nesse sentido, é um valor), nossa capacidade de agir bem. “Não há
nada mais belo e mais legítimo do que o homem agir bem e devidamente”, dizia
Montaigne. É a própria virtude.
Isso, que os gregos nos ensinaram, que Montaigne nos ensinou, também pode ser
lido em Spinoza: “Por virtude e poder entendo a mesma coisa, isto é, a virtude,
enquanto se refere ao homem, é a própria essência ou a natureza do homem
enquanto ele tem o poder de fazer certas coisas que se podem conhecer apenas
pelas leis de sua natureza”; ou, eu acrescentaria, de sua história (mas esta, para
Spinoza, faz parte daquela). Virtude, no sentido geral, é poder; no sentido
particular, poder humano ou poder de humanidade. É o que também chamamos
as virtudes morais, que fazem um homem parecer mais humano ou mais
excelente, como dizia Montaigne, do que outro, e sem as quais, como dizia
Spinoza, seríamos a justo título qualificados de inumanos. Isso supõe um desejo
de humanidade, desejo evidentemente histórico (não há virtude natural), sem o
qual qualquer moral seria impossível. Trata-se de não ser indigno do que a
humanidade fez de si, e de nós.
A virtude, repete-se desde Aristóteles, é uma disposição adquirida de fazer o
bem. É preciso dizer mais, porém: ela é o próprio bem, em espírito e em verdade.
Não o Bem absoluto, não o Bem em si, que bastaria conhecer ou aplicar. O bem
não é para se contemplar, é para se fazer. Assim é a virtude: é o esforço para se portar bem, que define o bem nesse próprio esforço.
Isso levanta certo número
de problemas teóricos, que tratei em outra parte. Este livro pretende ser, inteiro,
de moral prática, isto é, de moral. A virtude ou, antes, as virtudes (pois há várias,
visto que não se poderia reduzir todas elas a uma só, nem se contentar com uma
delas) são nossos valores morais, se quiserem, mas encarnados, tanto quanto
quisermos, mas vividos, mas em ato. Sempre singulares, como cada um de nós,
sempre plurais, como as fraquezas que elas combatem ou corrigem. São essas
virtudes que tomei aqui como objeto. Se bem que minha intenção não fosse
evocar todas elas, nem esgotar qualquer uma delas. Quis apenas indicar, para as
que me pareciam as mais importantes, o que elas são, ou o que deveriam ser, e o
que as torna sempre necessárias e sempre difíceis. Daí esse tratado, de que o
título bem indica a ambição, quanto a seu objeto, e os limites, quanto a seu
conteúdo."...
e continua...em todo o tom de profundidade e beleza - como se filosofia você a arte de pensar o cotidiano - sem aforismas e aporias abstratas...
valho-me deste texto apenas para eriçar a leitura de livros "pensantes" que nos façam pensar de si; para si; por si...pensar...gnothi seauton!!

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Citando um "novo" autor...

"Sobre o reino não se fala a não ser transversalmente, porque “não vem em aparência exterior”, e “o reino de Deus está dentro de vós”.


Ou seja, é de suma importância que esse domínio não seja explicado em demasia ou em muito detalhe; é fundamental que nenhum mapa até ele seja esboçado, porque que cada um deve encontrar-se por si mesmo com ele no terreno do coração.

Como explica Campbell, ser capaz de enxergar o reino – isto é, olhar para dentro de nós mesmos na condução gentilíssima do espírito e ver o solo preparado para essa impensável conciliação universal e para essa terrena transcendência – é que é o fim do mundo.


O fim do mundo é apenas o começo...."Paulo Braboo