terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

Uma mão pra caminhar...


“Não sabemos o que acontece e é justamente o que acontece”(Ortega)

Sabia que tinha perdido sua agenda e nada mais que isso
Sabia que deveria ter passado tudo para um outro instrumento de segurança, mas , nada mais que isso saberia

O apego às notas num papel frágil nunca lhe tinha falhado,
Mas o futuro é tudo que “não nos é”

Sim...

O “não ser”
Nietzsche chamaria isto de “vir a ser”, num sentido de ir caminhando sem qualquer expectativa de certezas  e convicções

A instância do planejamento é um “ir” que "não nos é"
Condições de não ser

O futuro, naquela agenda, parecia arrimar um discurso bem certo: nada é certeza

Contudo, havia um conselho de Edgar Morin numa pequena nota de rodapé:

“A conscientização do risco pode estimular as defesas; é preciso apostar. [....] A aposta é a integração da incerteza na esperança. [....]A incerteza estimula porque convoca a aposta e a estratégia. [....] APOSTA E ESTRATÉGIA, E ADIANTE!”. (2012, p. 27).

Apostar no risco do não-ser: era a saída para novas portas de entrada

Queria reconhecer na realidade levezas como em G.H.:

“Dá-me tua mão desconhecida, que a vida está doendo, e não sei como falar – a realidade é delicada demais, só a realidade é delicada, minha irrealidade e minha imaginação são mais pesadas.”(LISPECTOR, 2011, p.34).

Uma mão pra caminhar
Mas ela não é uma raiz imóvel

E se a raiz mentir?
Quanto de nós permanecerá?

A mão não é você
Fez parte do caminho
O problema é que geramos nela sentidos de raiz para nossa alma

A mão é uma página que pode ser virada e virar só pegada

Vale a pena a pegada
Tanto quanto os passos novos

Ler o chão é tarefa de escoteiros, índios, pessoas experimentadas em travessias

Temos que aprender a rumar sem mar
Desfazer oceanos de apostas e esquecer estratégias – perder medo dos riscos

Termino aqui – tendo perdido a agenda e conquistado outros caminhos - 
Com mais um braço dado, a fala de G.H.:

“E é inútil procurar encurtar caminho e querer começar já sabendo que a voz diz pouco, já começando por ser pessoal. 
Pois existe a trajetória, e a trajetória não é apenas um modo de ir. 
A trajetória somos nós mesmos. 
Em matéria de viver, nunca se pode chegar antes.”. (2011, P. 176).



domingo, 1 de fevereiro de 2015

Das infinitas mortes de d(EU)s...


Disseram-me que meu Deus morreu
Nada de novo?!
SIM, HÁ!

Não era um ateu afirmando isto
Era uma cristã
Assustada ao ouvir o que concebo da ideia e pessoa de Deus
Ela bradou sem temor ou dó
"Teu Deus morreu!"

Por Decreto, Deus...
Mataram-te de novo!

Não que a ideia de poder dizer quem é Deus seja nova
Mas isso ainda me assombra de uma forma nova que a palavra não sabe dizer

Bradar que a fé e Deus do outro não existem - mesmo existindo - dizer que é morto, diabólico, herético, burrice, estupidez
É uma velha sede de certeza que me estranha
Entenda! Para que Ele morra - deve morrer no meu mundo, não no teu!

Deus morreu
E, todo dia, ele nasce e morre

O que senti?!

A fé que tenho deve ser enterrada com meu Deus, porque parece morto - ou, só porque é OUTRO?!

Sim!
Fui chamada de ateia por cristãos
E de cristã por ateus - claro que com aquela desconfiança e superioridade que supõe a fé como pressuposto de ignorância 
Estranho isto, não é?!
Cada vez mais comum - cada vez mais incomum

Paradoxal?!

Morre ou Vive o Deus que creio?!

Lembrei, claro, da metáfora de Nietzsche – obra: “Assim falou Zaratustra”.
Seu Profeta Zaratustra
Descendo a montanha
Sozinho
Encontrando um senhor de idade indagou de imediato:
“E o que faz o santo na floresta?” indagou Zartustra.
O santo respondeu: “Faço canções e canto; e, quando faço canções, rio, choro e falo de mim para mim: assim louvo a Deus.”(2010, p.35).

Zaratustra não fala mais nada para aquele senhor – como alguns pensam
Ele apenas pensa, sozinho e afirma:
“Será possível? Esse velho santo, em sua floresta, ainda não soube que Deus está morto!”(p.35).

Outro decreto silencioso
Mas apenas guardado num pensamento

Interessante ler, ao menos, a obra por completo, pelo menos esta, e descobrir a causa da morte:


“morreu de tanto amar os homens”(p.119)


Lindo! Não?!
Eu acho!
Poético!

Morre sim, mas não por decreto
Ateu permissivo até da fé – enuncia:
“Sim, eu tirei esta conclusão; mas, agora, ela me tira – Deus é uma suposição; mas quem beberia, sem morrer, todo o tormento desta suposição? Deve tirar-se, ao criador, a sua fé e, à águia, o seu pairar em aquilinas distâncias?”.(p.115).


E faz até orações – ainda que possam ser irônicas
“Que é mais cética que todas
As mulheres casadas já maduras.
Deus queira melhorá-la!
Amém!”p.358

“E que Deus me perdoe
O pecado contra a língua!)”.p.359

“E já eis-me aqui
Como europeu,
 Não posso de outro modo.
Deus me ajude!
Amém!!”.p.361


Quando vejo ateus febris
Cristãos fanáticos
Matar DEUS parece a primeira saída, mas é uma redução simplista

O aparente motivo da briga
Não aponta a causa - ou a solução
A guerra não é se Deus existe ou não
O grande (ab)surdo é que não se admite uma OUTRA possibilidade fora do nosso mundo

Morre, Deus, por decreto?!
Não!
O que morre mesmo está oculto na guerra em nome de deus
O que se vai matando, pouco a pouco, é o que existe do OUTRO no Deus de OUTRO

Se a ideia é outra - não serve - deve ser morta
Assassinos: ateus e religiosos - miram em deus, acertam apenas no OUTRO....
E deixam de conhecer as várias faces de: d(EU)s