segunda-feira, 2 de março de 2015

Dos três tipos de coração: orgânico, mineral e o vegetal...



Baseada na afirmação de Eco:
Temos três tipos de memória.
O primeiro é orgânico, que é a memória feita de carne e de sangue e administrada pelo nosso cérebro.
O segundo é mineral, e, nesse sentido, a humanidade conheceu dois tipos de memória mineral: milênios atrás, foi essa a memória representada por tijolos de argila e por obeliscos, muito conhecidos neste país, nos quais as pessoas entalhavam seus textos. Porém esse segundo tipo é também a memória eletrônica dos computadores de hoje, que tem por base o silício.
Conhecemos também outro tipo de memória, a memória vegetal, representada pelos primeiros papiros, de novo muito conhecidos neste país, e posteriormente pelos livros, feitos de papel.”(Umberto Eco, 2003).


Afirmo agora:

Temos três tipos de coração:
Um feito de sangue, mais que “orgânico”;
Outro mineral, mais que “de pedra”;
E outro de papel, vegetal, esse é o que resta de nós na descrição alheia – seja ela “eletrônica” ou interpessoal.

A ideia de classificar as coisas, pô-las numa ordem, é tentadora.
Agora mesmo vejo, no texto, como ela abre leques de discussões mais centrados.
Filtrei da alma um coração que só tem três lados: orgânico; mineral; e, o último, vegetal - empapelado.

Esta classificação surgiu das “machucadelas” ocasionadas pela leitura que fiz do brilhante André Comte-Sponville em sua obra: “Bom dia, Angústia!”. Quem mais leria esta obra só pela provocação do título?! (eu!)

Leio uma gota do texto e me vejo bordando metafísica num coração de carne – que aqui chamei de “orgânico”:

“Não há vida sem risco.
Não há vida sem sofrimento.
Não há vida sem morte.
A angústia marca a nossa impotência, é nisso que é verdadeira também, e definitivamente. [....]
Tudo nos ameaça; tudo nos machuca; tudo nos mata.[....]
Somos fracos no mundo, e mortais na vida. [....].”. (COMTE-SPONVILLE, p.12).

Um corpo prometido à dor, ao envelhecimento, e, paradoxalmente, ao amor e ao deslumbramento: é o ser – humano
Um coração orgânico que, às vezes, cai ladeira abaixo como se todo chão fosse um sentimento
Quando a vida orgânica falta – escassa – ele ousa dizer que há mais ali
Ali onde nada há – há o que o orgânico diz não existir

Coração orgânico é angústia de preenchimento
Cada batida
Um
Pedido

...
“Precisamos de tão pouco para viver: como é possível que precisemos de tanto, ao que nos parece, para viver bem?”(COMTE-SPONVILLEp.23).
...

Há quem ache que coração orgânico bebe só do que é real – no sentido palpável, racionalista : eu não!
Há dias que até Deus parece morder uma ponta do meu coração orgânico
Eu compartilho consanguinidades como as de Adelia Prado:

“CONSANGUÍNEOS
Não há culpados para a dor que sinto.
É Ele, Deus, quem me dói pedindo amor
Como se fora eu sua mãe e O rejeitasse.
Se me ajudar um remédio respirar melhor,
Obteremos clemência, Ele e eu.
Jungidos como estamos em formidável parelha,
Enquanto Ele não dorme eu não descanso.”(PRADO, 2012, p.99)

O coração orgânico é um "Alogos", como afirmava Epicuro:
Algo que não há pergunta, discurso, nem resposta – e nem dependência deles: o coração (a vida) orgânico bate sem saber porquê.

O segundo tipo de coração é o mineral
Onde residem os traços e lembranças dos tempos
O que há nas paredes de anos atrás nos faz até pensar que valeria uma máquina de voltar no tempo
Mas o tempo não concede ensaio, nem pausa – mas chances
O coração mineral nos quer dizer que até pensamos que somos de pedra
Que podemos seguir passo adiante
Mas as linhas do tempo rasgam não só nossa pele, mas nossa alma
O coração mineral nos desafia a ressignificar a vida: a amá-la – definitivamente.
E amar a vida não tem nada a ver com um sentimento febril pela Felicidade e satisfação plenas:

“Viver é uma tragédia, viver é uma comédia, e é a mesma peça, e ela é bela e boa, em todo caso pode sê-lo, se sabemos vive-la, se sabemos amá-la como ela é, e, aliás, não temos escolha. CUMPRE AMAR A VIDA.[....]
Aquele que só amasse a felicidade não amaria a vida, e com isso se proibiria de ser feliz.
O erro é querer selecionar, como nas prateleiras do real.
A VIDA NÃO É UM SUPERMERCADO, CUJOS CLIENTES SERIAMOS NÓS.”. (COMTE-SPONVILLE, p.56).

Amar o mineral (a vida mineral) - independentemente da lembrança que recair, simplesmente: amá-lo.

O terceiro tipo de coração é o vegetal - empapelado
Este que agora mesmo você começa a embrulhar quem sou ao ler meu texto
Eu nem quero imaginar o que alguém, ao terminar de ler meus frágeis textos, imagina
Mesmo assim – em meu coração empapelado – há um sentimento, quase necessidade, de querer agradar o próximo
O coração empapelado é o que menos importa, mas importa
Ele nos serve como medição de nossa autorreflexão
Precisamos fazer a pergunta de Cristo:
“Chegando Jesus à região de Cesaréia de Filipe, perguntou aos seus discípulos: Quem os homens dizem que o Filho do homem é? ‘
Eles responderam: ‘Alguns dizem que é João Batista; outros, Elias; e, ainda outros, Jeremias ou um dos profetas’.
‘E vocês? ‘, perguntou ele. ‘Quem vocês dizem que eu sou? ‘.(Mateus 16:13-15).

Quem vocês dizem que eu sou?
Pergunta que não é feita por qualquer um e nem para qualquer tipo de pessoa...

Quais críticas nos embrulham?
Isso nos valerá parte de nossa vida – coração vegetal – empapelado

Encerro aqui os três tipos de coração
Minha metáfora do mundo – como sempre - incompleta:

“Uma comparação
Cujo primeiro termo se perdeu.”( Roberto Juarroz, 2010, p.285).