segunda-feira, 8 de janeiro de 2018

Revolução e evolução em vida e cultura: fragmentos teóricos para um designer cultural...

Revolução e evolução em vida e cultura:
fragmentos teóricos para um designer cultural...



No início era, como sabemos, o verbo. O verbo estava com Deus. Durante sete dias e sete noites ele tentou introduzir diferenciações binárias, ou seja, bits: dia e noite, céu e Terra, Sol e Lua, sem falar do bem e do mal.  (KITTLER, 2017, p. 305).
O mundo não passa de uma gangorra perene, onde todas as coisas se alternam sem cessar. (MONTAIGNE, 1999, p. 804).




Um alerta: "revolução" não significa o fim, nem "evolução", algum tipo progresso. O primeiro texto acima é uma paráfrase bem humorada da gênese criacionista. Richard Dawkins, zoólogo e darwinista, no seu clássico "O gene egoísta", aponta que a seleção natural pôs fim às grandes questões da humanidade sobre a origem da vida. Para este autor, "Nós somos máquinas de sobrevivência - robôs cegamente programados para preservar moléculas egoístas conhecidas como 'genes'" (2007, p. 31). Entretanto, vivemos o último paradoxo da evolução: a seleção natural não é mais um atributo incontrolável que limita a existência humana - a revolução tecnológica tornou o Homo Sapiens num "quase deus": só que, agora, corremos o risco, cada vez mais próximo, de perdermos o sonhado "sentido da vida". Agora estaríamos perto de experimentar o fim do Homo Sapiens - a revolução da inteligência artificial, a genética: "[.....] o Homo Sapiens está transcendendo esses limites. Está começando a violar as leis da seleção natural, substituindo-as pelas leis do design inteligente." (2016, p. 408). O sistema desenvolvido no Reino Unido parece aproximar o conceito de cultura com o conceito de "seleção natural". "Você estará aqui no futuro?", pergunta Rebecca Walton, em palestra proferida no Curso de Gestão e Políticas Culturais do Itaú Cultural (2017). Segundo ela, a visão britânica de mundo é pragmática, enxergando a realidade por meio de estatísticas. Neste sentido, e firmando plano estratégico em outubro de 2013, com validade de dez anos, o "Great art and culture for everyone", cultura é algo que deve, antes e acima de tudo: ser excelente e sustentável. Por este motivo, atribui conceitos mínimos de identificação do que é arte e cultura, para, por meio destes, possibilitar um fomento empiricamente sustentável. Ela apresenta uma paisagem estatística, não apenas de um financiamento planejado, mas de como os critérios para arte e cultura  são importantes para seu fomento de forma inteligente. Aqui no Brasil deveríamos aprender esta lição:  “Em nenhum país desenvolvido, a análise do desempenho da gestão cultural pública prescinde da “construção de paisagens” feita com rigor estatístico.”. (DURAND, 2013, p. 28). Teixeira Coelho, sugeriu, em palestra proferida no mesmo dia e local, que o contributo de Rebeca Walton pode ser caracterizado como um tipo positivo de: "darwinismo cultural". Antes que se milite contra esta afirmativa é bom que se pontue: o que se depreende do modelo britânico é uma forma, em fragmentos muito sólidos, de um design cultural: que espelha e inspira ações que se sustentem no tempo - desenvolvendo potencialidades e autonomias: “Nossa visão de longo prazo é que as organizações artísticas e culturais assumam a responsabilidade pelo desenvolvimento das habilidades de sua força de trabalho.” (2017, online, p. 31. Tradução livre da autora). Ou seja, cultura é aquilo que se planeja com acuidade, excelência e perenidade, gerando autonomia entre o sistema cultural e político, bem como entre seus atores. Ou, em certeira afirmação: "Cultura faz-se mais com planejamento do que com dinheiro."(COELHO, 2017). Se o último deus não é mais o Homo Sapiens, mas a sua capacidade de gerir modelos - designers - de ação, é chegado o tempo da substituição dos planos de cultura imediatistas, sazonais - que brincam com recursos públicos, pela paisagem sustentável de um novo designer cultural. À similitude dos organismo vivos, precisamos manter nossos pensamentos em equilíbrio homeostático com outros sistemas. Mia Couto, ao defender uma nova postura sobre o pensamento e seus limites, compara estes com o sistema biológico - só que com uma diferença, enquanto os sistemas biológicos possuem fronteiras vivas - permeáveis ou semipermeáveis - nós tendemos a construir sistemas de pensamento rígidos, cegos - tendentes à morte: “Todas as membranas orgânicas são entidades vivas e permeáveis. São fronteiras feitas para, ao mesmo tempo, delimitar e negociar. O “dentro” e o “fora” trocam-se por turnos. [….] O problema é que o nosso pensamento, ao contrário do restante das entidades vivas, facilmente se encerra em si mesmo. Não sabemos fazer paredes vivas e permeáveis. Erguemos paredes inteiras como se fossemos tucanos cegos. De um e do outro lado há sempre algo que morre, truncado do seu lado gêmeo.”. (COUTO, 2013, p.196, 197). É este o requisito indispensável em UK - o que denominam como resiliência cultural: "Por resiliência, queremos dizer a visão e a capacidade das organizações para antecipar e se adaptar às mudanças econômicas, ambientais e sociais, aproveitando as oportunidades, identificando e mitigando os riscos, e implementando recursos efetivamente para continuar a oferecer um trabalho de qualidade de acordo com sua missão.".(2017, online, p. 32. Tradução livre da autora). O sistema cultural em design é a última membrana que precisa ser construída para uma paisagem cultural que resista aos tempos.