quarta-feira, 31 de julho de 2019

ESCRITURA E ENCONTRO

ESCRITURA E ENCONTRO

Andávamos sem nos procurar, 
mas sabendo sempre que andávamos para nos encontrar. 
(COTÁZAR, Julio. O jogo da amarelinha.Tradução: Fernando de Castro Ferro. Título original: Rayuela.  p. 13)

Ileide Sampaio de Sousa[1]

Aescrituraé uma forma de marcar encontros com quem amamos. É interessante a proposta de Roland Barthes, de, por meio da escritura e leitura apaixonadas[2], montar uma nova forma societária: a “Sociedade dos Amigos do Texto”. Fiquei debulhando como nossa cidade tem irrompido em dois rios: festivais de arte pela palavra nos últimos anos – diria até que há festivais solitários. Paredes antes angustiadas de cinza tem sido “beijadas”[3]por um colorido de escrituras. Quem diria?Paredes que eram formas em monotom hoje ganham ares de páginas de livros. Entretanto, noutra margem, um discurso de caos generalizado tem se avolumado em nosso tecido social, prenunciando sempre um abismo maior que o outro (lembrando os antigos: Abyssus abyssum invocat). Em todas as instâncias há quem repita: é o fim. Lembro de Kafka, em sua “colônia penal”, com sua máquina de inscrever a sentença na pele do culpado. É doloroso. Às vezes ficamos circulando “argumentos-máquinas”, rasgando a pele alheia, culpando o mundo para nos salvar a todo custo. Uma expiação às avessas.Enquanto eu culpavao mundo pelas paredes cinzeladas, veio alguéme pôs uma escritura de encontro. Naquele espaço marcado agora pela escritura – não há máquina, nem culpa, nem cinza. Há escritura. Se juntarmos as duas margens do rio, ainda ouviremos pela cidade: estamos perdidos! A diferença é que, em cada esquina de escritura, teremos um reencontro marcadoAté!


[1]É professora teimosa: vai desdobrando vocabulários na sina de traduzir a vida. Professora universitária, mestre em ordem jurídica constitucional pela UFC (2013), advogada, fica tecendo pesquisa em hermenêutica dos direitos fundamentais e em ensino jurídico, porque, insiste, é lendo o humano que aprende mais. Faz tudo isso ouvindo música – e quem dirá que escrever não é “sinfonar”?   
[2]BARTHES, Roland. “O prazer do texto”. Tradução: São Paulo: Editora Perspectiva, 1987. Título original: Le Plaisir du Texte. 86p. p. 11.
[3]Aqui faço referência a um, dentre tantos, movimentos de escrituras pela cidade: “Beijo na Cidade”, de Sérgio Gouveia. 

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