SEN, Amartya. Identidade e violência: a ilusão do destino.
Tradução: José Antonio Arantes. 1. ed. São Paulo: iluminuras: Itaú Cultural,
2015. 208p.
Antes
existia um eu em mim,
Mas
tratei de removê-lo cirurgicamente.
(Peter
Sellers apud SEN, 2015, p. 26)
Cada
um de nós sem dúvida pertence a vários.
(SEN,
2015, p. 42)
Prisioneiros de identidades costumam definir indivíduos de forma
determinista. Este território inflamável tende a construir solidariedade apenas
com o grupo identitário e a promover violência nos que, ao invés de serem
vistos como prolongamentos da existência, essencialmente diversa, são tomados
como inimigos das pretensas “identidades únicas”.
A morte de Kader Mia, presenciada por Amartya Sen quando tinha apenas 11
anos, marcou sua visão de mundo. Foi o que lhe levou a construir uma tese
diferenciada para análise do desenvolvimento e do mercado: “Desenvolvimento
como liberdade”. Juntamente com Mahbub ul Haq, criou o Índice de
Desenvolvimento Humano (IDH) do Programa das Nações Unidas para o
Desenvolvimento (PNUD). Kader Mia não possuía liberdade – pois não tinha como
escolher, tendo que atravessar uma área perigosa, para trazer sustento à
família – onde foi morto. Agora, nesta obra: “Identidade e violência”,
publicada originalmente nos EUA em 2006, a mesma cena se repete, já no
encerramento de seu último capítulo – como um insight no meio do caos: combatendo o perigo do que Gandhi chamou
“vivissecção”(p.174) – a separação da Identidade em categorias essencialistas e
imóveis pode levar a uma distorção da realidade e da história.
A obra faz uma análise dos tempos de globalização e terrorismos. Combate
o conceito de “Choque de Civilizações”, apontando-o como confinamento, e aponta
que, sua escolha é defender que um indivíduo, principalmente no contexto
contemporâneo, pode ser, a um só tempo, "muitos outros".
A redução pela religião, civilização ou tradição histórica é uma quimera
perigosa. Como indiano, narra sua própria experiência numa aula com uma
professora de economia que reduziu sua individualidade ao que ela tinha fixado
como: "comportamento indiano".(p. 47). Isto ainda acontece
quando fazem da Índia uma nação Hindu, desconsiderando todo acervo cultural
ateísta, agnóstico, muçulmano – lá existente. É, ainda, a teima que permeia a
obra de Huntington de que o Ocidente é uma soma identitária, o “modelo” que
deve ser copiado - em contraponto com as demais "civilizações" -
homogeneizadas de forma determinista.
É este o movimento: apontar identidades inflamáveis apenas no outro, não
no Ocidente. Perder de vista as singularidades – desconstruir caminhos que são
resultados de escolhas – que estão muito além de padrões hígidos.
O sentimento de pertencimento, segundo o autor, possui o paradoxo de não
estimular solidariedade ao agressor. Para tanto, se faz urgente a construção de
uma ética para o terreno social da identidade – renegando o destino e refazendo
a capacidade de escolha e diversidade em vida comunitária.
Segundo esta perspectiva, o universalismo protagonista do Ocidente não
passa de um provincianismo. Alimentando uma forte
noção de "nacionalismo anticolonialista", carregado de
ressentimentos, histerias narrativas cegas e superficiais, além de volatilidade
no ideal de conjugação de esforços por uma percepção da liberdade da escolha
frente ao discurso unilateralista do Destino: civilizacional ou religioso.
A dialética impossível percebida não no choque de contrapostos para uma
síntese geral, mas numa percepção mais profunda das singularidades de cada
indivíduo que é, ao mesmo tempo, muitos. É a base desta narrativa.
O autor defende sua tese - já amplamente divulgada em seu clássico:
"Desenvolvimento como liberdade", que o mercado não opera sozinho -
não tem leis a priori, sendo, por este motivo, um instrumento que pode
ser utilizado para desenvolver as liberdades num plano global. Entretanto, não
fecha os olhos para a extrema possibilidade de, sem igualdade e justiça,
fomentarem violência com base no ressentimento e na desigualdade.
Esta obra tem como vetor fugir desse "moinho satânico" que
quer “minituarizar” (p. 185) humanidade, propondo uma ética democrática global
de diálogos e escolhas – expurgando o mito dos destinos e superioridades
étnicas.
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