terça-feira, 23 de abril de 2013

Daquela "Menina-Estante"...


Ela estava ali, sentada, toda debruçada entre os seus tantos e tantos livros
Eu a olhava de tempos em tempos
Não era meu costume ir tanto à biblioteca, mas quando ia a via: costas curvadas, olhos inquietos – sombreados

A curiosidade e o silêncio me detinham
Não saberia nada daquela que tanto faz companhia aos livros?!
A curiosidade nem sempre tem veias só negativas – acredito que, quase tudo, possui um algo bom que lhe deva ser atribuído
Deve ser essa minha mania de querer arrancar uma lição de todas as coisas
Adoro ornar coerências
É que acho que assim a alma fica menos amarga e mais sorridente – esperançosa...
pode ser..
Mas,
Voltando a “menina-estante”
Um dia, cheguei à sua cabine para pedir ajuda sobre uma obra que, propositalmente, não achava.
Enfim ouvi a voz que estava ali atravessada...
Ela, em pouquíssimo segundos, começou falar de como tinha parado naquela biblioteca:
“Caramba, foi tão de repente, me vi sendo encolhida. Decidiram meus passos, e eu, que sempre fui acostumada a ouvir, aos poucos, sem eu perceber, desaprendi a falar”
e começou um primeiro soluço...

Queria saber das vezes que estive naquela biblioteca e não a ouvi – me mordia só em pensar nisso.. Como nosso caminho tem mania de indiferenças!

Ela ainda arranhou mais algumas palavras:
“Larguei meu salário de pedagoga, pouco mais de um salario mínimo. Mas, o principal: larguei manhãs e tardes inteiras que me sentia absolutamente realizada! Não tinha o mesmo sucesso profissional de meus familiares e colegas exigentes, mas aqueles dias eram para mim os melhores... Mas, de tanto ouvir, desaprendi a falar!˜

Uma das principais causas do agravamento de uma dificuldade na fala é a surdez.
Mas, diferente desta necessidade especial, me parece que quem só possua ouvidos às falas alheias, começa a embotar a sua, que vai da timidez até silenciar  - de vez.

O que você diria à “menina-estante”?!
O que eu diria?!

Que também experimento de mesmas águas, é ainda difícil viver numa sociedade que projeta em nós tantos ideais de sucesso, qualidade de vida e etc., mas, ainda assim, quero viver o mais maravilhoso projeto de todos: O DE SER EU!

Eu ouvia a  tudo atentamente
Queria muito que ela NUNCA MAIS perdesse aquele costume de falar o que sente, o que quer – porque quando não se fala do que se sente, aos poucos, também não se saberá mais o que se quer de verdade...

A fala nos mete em vários temores, mas a falta dela é ainda mais encadalosa!
Tanto é que aqueles que não podem falar oralmente, tratam de aprender a língua dos sinais – a expressão nos lança no mundo! 
Nos leva a imprimir nossa existência ao outro.
E, teimo em achar, nossa (ex)istência só se completa no outro – somos mais humanos quanto mais formos ao outro... Mas esta ida deve ser guiada pelo espelho de si: ver o outro, ouvir o outro - isto tudo - é tarefa para quem olha nos próprios olhos e sabe suas formas bem definidas...

Nosso existir lateralizado nos leva a existir menos...
Falo lateralizado, mas poderia dizer: nossa mania de sermos estantes das expectativas alheias...
Isso nos enche de peso - nos embota - engasga...

Eu, após longos minutos, apenas lhe disse:

“Hoje você ouviu o melhor conselheiro: o grito do teu coração que rompeu com esse teu silêncio... Menina-estante, quantos anos serão necessários para entender que o peso que os outros colocam sobre nossas costas nem eles mesmos aguentam?!”


Estante: projeção
Instante: projeto
Por que grafias e fonéticas tão parecidas?!
É que segundos - instantes - são suficientes para ressignificar uma (ex)istência... 

Naquele dia choramos juntas... 
Por um parto de gêmeas: da menina e de nossa amizade - filhas de uma palavra...



Menina-estante, só uma estante te (ex)iste: a do instante...

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