“Preciso me desacostumar a viver fora da vida”.
Acabei de dizer isto a uma amiga.
Ela, retornando do surf - manhã cedo, quatro ondas e a voz gravada num aplicativo - tinha tanta endorfina e serotonina que doeu.
Doeu porque vi o que deixei pra trás quando “cresci”: larguei meu surf, meu vôlei e minha forma de olhar a vida de maneira simples - sem agonia
Doeu porque sempre dói ter que reconhecer que, após tantos anos, percebo que não deu certo simplesmente esquecer o que me faz bem, e viver do lado de fora da vida - sim, o capitalismo nos faz viver do lado de fora
Como já anunciado por Guy Debord - vivemos para um “espetáculo do ter” - somos só figurantes de uma grande cena.
Eu não sei se a dor de hoje me fará sair de casa de forma diferente:
Estou fazendo provas, preparando aulas, estudando questões de concurso para ensinar Direito aos meus alunos que mal querem aprender algo que os mude - querem mesmo - e tenho que dar a eles isto (mas jamais apenas isto) - algo que lhes coloque no espetáculo, a chamada “estabilidade” para o ter. Vai ver que, no final de tudo, o que querem mesmo é viver esta grande cena: viver do lado de fora da vida.
E não estou falando que devemos viver de forma hippie (leia esta palavra de forma simples — sem criticar a cultura hippie em sua essência - é apenas um uso banal; do termo) abandonar cuidado com os nossos e não planejarmos algo além.
O que estou dizendo é que, na roda viva da vida, quando o carrossel está lá em baixo, a gente vê os problemas maiores do que são, a gente perde o passo e não consegue perceber como antes - tudo fica distorcido.
O pequeno é grande, o grande , pequeno.
Lá em cima, dependurada no dedo do gigante – na roda gigante do status que o capitalismo produz pude ouvir a A voz de minha “amiga pós-surf”.
Vê-la dizer que vai voltar a ser “quem ela é” me trouxe um sentimento bucólico de quando eu conseguia viver com menos e meu carrossel, ainda que para todos estivesse lá em baixo, dentro de mim ficava lá em cima -
sou eu o via, e isto era suficiente.
Hoje somos cada vez menos nossos e nos habituamos a habitar do lado de fora...
Termino este desabafo com o conselho de Debord.
“A crítica que vai além do espetáculo deve saber esperar.”.(DEBORD, p. 118)
A alma já gritou pro dono da Roda Gigante e pediu pra descer...
Mas ele mandou eu esperar a minha vez
Evoé.
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