Baseada na afirmação de Eco:
“Temos três tipos
de memória.
O
primeiro é orgânico, que é a memória feita de carne e de sangue e administrada
pelo nosso cérebro.
O
segundo é mineral, e, nesse sentido, a humanidade conheceu dois tipos de
memória mineral: milênios atrás, foi essa a memória representada por tijolos de
argila e por obeliscos, muito conhecidos neste país, nos quais as pessoas
entalhavam seus textos. Porém esse segundo tipo é também a memória eletrônica
dos computadores de hoje, que tem por base o silício.
Conhecemos
também outro tipo de memória, a memória vegetal, representada pelos primeiros
papiros, de novo muito conhecidos neste país, e posteriormente pelos livros,
feitos de papel.”(Umberto Eco, 2003).
Afirmo agora:
Temos três tipos de coração:
Um feito de sangue, mais que “orgânico”;
Outro mineral, mais que “de pedra”;
E outro de papel, vegetal, esse é o que
resta de nós na descrição alheia – seja ela “eletrônica” ou interpessoal.
A ideia de classificar as coisas, pô-las
numa ordem, é tentadora.
Agora mesmo vejo, no texto, como ela abre
leques de discussões mais centrados.
Filtrei da alma um coração que só tem
três lados: orgânico; mineral; e, o último, vegetal - empapelado.
Esta classificação surgiu das
“machucadelas” ocasionadas pela leitura que fiz do brilhante André
Comte-Sponville em sua obra: “Bom dia, Angústia!”. Quem mais leria esta obra só
pela provocação do título?! (eu!)
Leio uma gota do texto e me vejo bordando
metafísica num coração de carne – que aqui chamei de “orgânico”:
“Não há vida sem risco.
Não há vida sem sofrimento.
Não há vida sem morte.
A angústia marca a nossa impotência, é
nisso que é verdadeira também, e definitivamente. [....]
Tudo nos ameaça; tudo nos machuca; tudo
nos mata.[....]
Somos fracos no mundo, e mortais na vida.
[....].”. (COMTE-SPONVILLE, p.12).
Um corpo prometido à dor, ao
envelhecimento, e, paradoxalmente, ao amor e ao deslumbramento: é o ser –
humano
Um coração orgânico que, às vezes, cai
ladeira abaixo como se todo chão fosse um sentimento
Quando a vida orgânica falta – escassa –
ele ousa dizer que há mais ali
Ali onde nada há – há o que o orgânico
diz não existir
Coração orgânico é angústia de preenchimento
Cada batida
Um
Pedido
...
“Precisamos de tão pouco para viver: como
é possível que precisemos de tanto, ao que nos parece, para viver bem?”(COMTE-SPONVILLEp.23).
...
Há quem ache que coração orgânico bebe só
do que é real – no sentido palpável, racionalista : eu não!
Há dias que até Deus parece morder uma
ponta do meu coração orgânico
Eu compartilho consanguinidades como as
de Adelia Prado:
“CONSANGUÍNEOS
Não há culpados para a dor que sinto.
É Ele, Deus, quem me dói pedindo amor
Como se fora eu sua mãe e O rejeitasse.
Se me ajudar um remédio respirar melhor,
Obteremos clemência, Ele e eu.
Jungidos como estamos em formidável
parelha,
Enquanto Ele não dorme eu não
descanso.”(PRADO, 2012, p.99)
O coração orgânico é um "Alogos",
como afirmava Epicuro:
Algo que não há pergunta, discurso, nem
resposta – e nem dependência deles: o coração (a vida) orgânico bate sem saber porquê.
O segundo tipo de coração é o mineral
Onde residem os traços e lembranças dos
tempos
O que há nas paredes de anos atrás nos
faz até pensar que valeria uma máquina de voltar no tempo
Mas o tempo não concede ensaio, nem pausa
– mas chances
O coração mineral nos quer dizer que até
pensamos que somos de pedra
Que podemos seguir passo adiante
Mas as linhas do tempo rasgam não só
nossa pele, mas nossa alma
O coração mineral nos desafia a
ressignificar a vida: a amá-la – definitivamente.
E amar a vida não tem nada a ver com um
sentimento febril pela Felicidade e satisfação plenas:
“Viver é uma tragédia, viver é uma
comédia, e é a mesma peça, e ela é bela e boa, em todo caso pode sê-lo, se
sabemos vive-la, se sabemos amá-la como ela é, e, aliás, não temos escolha.
CUMPRE AMAR A VIDA.[....]
Aquele que só amasse a felicidade não
amaria a vida, e com isso se proibiria de ser feliz.
O erro é querer selecionar, como nas
prateleiras do real.
A VIDA NÃO É UM SUPERMERCADO, CUJOS
CLIENTES SERIAMOS NÓS.”. (COMTE-SPONVILLE, p.56).
Amar o mineral (a vida mineral) - independentemente da lembrança que recair, simplesmente: amá-lo.
O terceiro tipo de coração é o vegetal - empapelado
Este que agora mesmo você começa a
embrulhar quem sou ao ler meu texto
Eu nem quero imaginar o que alguém, ao
terminar de ler meus frágeis textos, imagina
Mesmo assim – em meu coração empapelado – há
um sentimento, quase necessidade, de querer agradar o próximo
O coração empapelado é o que menos
importa, mas importa
Ele nos serve como medição de nossa
autorreflexão
Precisamos fazer a pergunta de Cristo:
“Chegando Jesus à região de Cesaréia de
Filipe, perguntou aos seus discípulos: Quem os homens dizem que o Filho do
homem é? ‘
Eles responderam: ‘Alguns dizem que é
João Batista; outros, Elias; e, ainda outros, Jeremias ou um dos profetas’.
‘E vocês? ‘, perguntou ele. ‘Quem vocês
dizem que eu sou? ‘.(Mateus 16:13-15).
Quem vocês dizem que eu sou?
Pergunta que não é feita por qualquer um
e nem para qualquer tipo de pessoa...
Quais críticas nos embrulham?
Isso nos valerá parte de nossa vida – coração
vegetal – empapelado
Encerro aqui os três tipos de coração
Minha metáfora do mundo – como sempre - incompleta:
“Uma comparação
Cujo primeiro termo se perdeu.”( Roberto
Juarroz, 2010, p.285).
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