
Trovões costumavam amedontrar não apenas crianças, mas também muitos habitantes daquele vilarejo...Contrariando a normalidade do local, um rapazinho corria ousadamente em meio aos trovões e relâmpagos sonoros e alargava passos mais rápidos a casa de seus vizinhos apenas para provocá-los:
“Que esperam, medrosos?!, que os raios fujam de vós por fingirem que estão bem protegidos?! Escutem nesse barulho os deuses comunicando a certeza da vida: não há cabanas seguras!, raios podem formar-se em turbas de furacões e tornados...querem mesmo saber?!...caminhar em meio aos raios é escalar luzes coloridas...daqui de fora vejo a grandeza e a temeridade bem nos olhos...”
Isto repetia-se quase sempre – pois, se o jovem rapaz não estivesse pronto às ruas, ninguém mais estaria.
Os trovões pareciam mais silenciosos, gotas de chuvas mais serenas, tudo estava meio estranho naquela noite de trovoadas – e, onde estava aquele rapaz aventureiro?! Será que estava aguardando que o terror aumentasse para urrar aos quatro ventos suas vitórias quanto ao medo?!
Semanas e meses passaram – sempre que chovia aumentava a curiosidade do povoado em ver o rapazinho ironizando as luzes raivosas no céu...
Foi necessário um dia de “novo” – alguém abriu a porta – esqueceu o terror que zumbia dentro de si e foi à procura do rapazinho...
horas a fio...sem encontrá-lo...
Quando chegou ao cume mais alto daquele povoado encontrou o menino com frio, medo e terror...
Estava escuro, os raios não paravam sua batidas no estro celestial... e a fronte do rapazinho tremia... (ele o reconheceu - era um de seus vizinhos...)
Em silêncio profundo aquele homem tomou o menino em seus braços, enfrentando não apenas a escuridão de seus medos, mas um cansaço que se fazia mais agudo a medida que a chuva ensopava corpo e chão...e o carregou até sua casa...
Ao chegar a casa, ainda em silêncio, ofereceu ao rapaz abrigo e mantimentos...este adormeceu...
Dia claro – o céu é uma assombrosa maneira de vermos extremos serem silenciados – o rapaz levantou – a mesa estava pronta, o homem em silêncio serviu o rapaz...
Um nó irritadiço começou a desafiar o menino, precisava agradecer...até que rompeu o silêncio:
“Senhor, porque arriscou sua vida por minha causa?! Logo eu que chicoteei seus ouvidos e os de muitos por tantos anos?! Sinto-me agradecido, mas também envergonhado..”
O homem apenas sorriu, nada disse...
O rapazinho ficou mais inquieto: “Nem ao menos quer saber por que eu estava ali?!”
Naquele momento o homem mergulhou em seu pensar e abandonou algumas palavras:
“Por que Você estava ali?! Essa é resposta que não podes me dar...sua vida para os outros bombardeou sua perspectiva de si...sempre ouvi seus gritos como quem ouve um bebê chorar...ao ouvir o silêncio da noite sabia que estava perdido porque algo o trouxe a sua fria realidade...fui ao seu encontro porque há muitos anos perdi meu filho...ele sempre dizia: ‘Pai, queria um irmãozinho que estivesse do meu lado na hora dos raios, pois enquanto o senhor dorme eu ainda fico com muito medo’..naquela noite acordei como se ouvisse meu filho chorar de medo...Tudo parecia anil - os raios pareciam setas indicadoras - sinais divinos - não ouvia mais nada a não ser seu choro...até que,
vencendo minha escuridão ....
achei você....” .
ileide sampaio...-=]